Há quadros que, sem a menor cerimônia, me agarram pelo pé, ou melhor, pelos olhos. Concepção, desenho, cor, forma, textura, volume atravessam as pupilas, furam as retinas, cutucam os miolos, geram o fascínio que, às vezes, me faz cócegas lá dentro, arranca risos e silenciosos aplausos; em outras ocasiões, produzem reflexão.

As obras ativam a fantasia, isto é, minha mania de inventar a cabeça do pintor no momento da criação. Fico a imaginar os ziguezagues entre a ideia e a tinta, entre a inspiração e a execução, entre o turbilhão do pincel e a imobilidade da tela acabada. Quem sabe o quadro, mesmo centenário, esconde um espelho, uma maneira de ver com olhos do passado? Em outras palavras, teria o artista capturado, dentro da moldura, o rio do tempo, o zeitgeist, a correnteza do humano, o substrato das eras? Há quem acredite no eterno retorno.

O prazer estético me remete à antiga questão: quem cria o quê, quem pinta ou quem vê? Arte é isso, pipa para neurônio subir ao céu. Voa tão longe que a linha, tanto a do criador quanto a do observador, acaba e costuma arrebentar. Ao vento, sem rumo, sem as amarras da razão, sabe-se lá aonde a pipa vai, mas o voo em si justifica a obra. A realidade decola para reinventar-se. Do espaço, vislumbram-se segredos de quem mantém os pés no chão.