O CIENTISTA DO BOM HUMOR
Doeu. Doeu fundo. E o falecimento de Ângelo Machado ainda está doendo nas entranhas. E não podia ser diferente com 65 anos de amizade permanente, iniciada quando ambos ainda éramos estudantes da faculdade de medicina da UFMG.
Em 1954 eu tinha criado o Show Medicina, um espetáculo feito com exclusividade para o público médico e biológico, com a presença majoritária, na platéia, e no palco, como atores, dos estudantes de medicina. No ano seguinte, Ângelo Machado associou-se a mim na tarefa de redigir o texto, produzir e atuar no Show Medicina, o que fizemos juntos nos próximos 12 anos. E dali em diante, membros do corpo docente da Faculdade de Medicina no Departamento de Morfologia do ICB, fomos como dois irmãos pseudo-biológicos, sempre juntos, sempre amigos. Até os dias de hoje os estudantes de medicina da UFMG produzem anualmente o espetáculo que inaugurou a série em 1954.
Ângelo Machado trazia no sangue os genes que impulsionam a criatividade nas artes cênicas e na literatura, parente próximo que era de Maria Clara Machado, criadora de O Tablado, uma das mais famosas e qualificadas Escolas de Formação de Atores do país, e do escritor e dramaturgo Anibal Machado, pai de Ana Maria, reconhecido pelo seu talento e pela sua competência.
Não foi surpresa, portanto que Ângelo Machado se tornasse, durante sua vida, um dos mais premiados autores de livros infantis e textos teatrais, o que acabou levando-o a ocupar um merecido lugar na Academia Mineira de Letras.
Mas Ângelo ultrapassava com facilidade as qualificações que o distinguiam. Quando ingressou na Faculdade de Medicina já era conhecido como um entomólogo virtuoso, virtudes que se expandiram e o levaram a ser um dos maiores “experts” mundiais de Líbelulas. Cerca de pelo menos cinquenta espécies delas têm o seu nome incluso na denominação do inseto. E, em outra direção, sua competência e objetividade como professor de Neuroanatomia, foi reconhecida unânimente por seus milhares de alunos. Ressalte-se, inclusive, que o Professor Ângelo Machado é autor do livro didático sobre o tema, publicação da Editora Atheneu e adotado em todo o país.
Com a morte de Ângelo Machado, perde a ciência, perde a dramaturgia mineira, perde a literatura infantil, perde a entomologia e perdem todos aqueles que privavam de sua amizade e convivência, particularmente do seu admirável senso de humor que jamais será esquecido. E perco eu, seu irmão, parceiro e amigo um pouco do que vivi, do que senti e do que criei em sua companhia.