Fala de Maninha Pereira na solenidade em memória de
Francelino Pereira na Academia Mineira de Letras.
Família e amigos queridos,
Caros membros desta Academia,
Senhoras e Senhores,
Há pouco mais de catorze anos, estivemos aqui, ao lado da nossa família e de dezenas de amigos, para acompanhar a posse do meu pai como titular da cadeira 25.
Para todos nós, foi um momento de profunda emoção.
Mas para ele foi bem mais do que isso.
Foi a realização de um sonho antigo e a coroação de sua vida.
Em seu discurso de posse, meu pai lembrou um poema de Carlos Drummond de Andrade, que traduz muito bem a maneira como ele se via e o modo como se colocava no mundo.
Chama-se “A ilusão do migrante” a obra que Francelino escolheu para abrir aquele discurso.
E desse poema ele destacou o seguinte trecho:
“Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum”.
A partir desses versos, meu pai lembrou sua viagem de Angical para Belo Horizonte, tocado por um sonho que parecia impossível ao filho de um vaqueiro do interior do Piauí.
O sonho de um jovem apaixonado pela literatura e pela política, que admirava os homens públicos e os intelectuais nascidos nas remotas montanhas de Minas.
O sonho de um rapaz que, contra todas as possibilidades, deixou a proteção da família para se aventurar sozinho na terra dos inconfidentes.
O sonho de um homem que superou as limitações impostas por sua origem, para representar o povo de Minas nos mais altos cargos do Estado e do país.
Nessa longa travessia rumo ao que considerava o berço do equilíbrio e da liberdade no Brasil, Francelino jamais especulou sobre o futuro.
Seguia o que lhe ditava o coração e acreditava que, com inteligência e trabalho, poderia encontrar seu lugar naquele mundo mítico para onde se dirigia.
Meu pai estava sempre inteiro em tudo o que fazia, mas nunca se deixou prender a cargos ou posições.
Reconhecia o caráter transitório dos postos que a vida lhe permitia ocupar.
E, em todos eles, se comportava como verdadeiro servidor público.
Mas nunca esqueceu a paixão juvenil pelos livros e pela literatura.
Fazia dos versos de Drummond um parâmetro para a própria vida, ao manter a consciência de que, por mais vitórias que conquistasse, o mundo continuaria sempre a girar alheio à sua “baça pessoa”.
E ao destacar esses versos, deixava entrever também um pouco da humildade serena, mas sempre altiva, com que se portou ao longo de toda a vida.
Humildade que tornou ainda mais significativas sua história e a retidão de caráter que jamais permitiu a ele se inebriar com facilidades e honrarias derivadas do poder político.
Se, para ele, a política foi profissão e destino, não deixou de ser também um vento inesperado, que soprou para longe sua relação com o jornalismo e a literatura.
O velho vento da aventura, como ele gostava de dizer, citando a obra de Paulo Pinheiro Chagas, um dos seus antecessores nessa cadeira 25.
No lugar dos mergulhos na obra de autores como Raquel de Queiróz e Graciliano Ramos, Augusto dos Anjos e Jorge Amado, ele se viu obrigado à leitura cotidiana de projetos, despachos e pareceres.
Em vez das descobertas emocionais e intelectuais que iluminaram a realidade nacional para o rapaz do Piauí, os desafios parlamentares e executivos do homem que o povo de Minas adotou como representante.
Mas chegou o momento em que a política deixou de ser o leito natural de sua vida.
E nesse momento ele teve a felicidade de se reaproximar da paixão de juventude.
Ao citar o poema de Drummond, meu pai falava também dessa volta às raízes de sua formação humana e intelectual.
Com a certeza de que “não se vai nem se volta de sítio algum a nenhum”, ele encontrou nesta Academia o caminho para retomar suas origens e voar outra vez nas asas dos seus sonhos.
Hoje nos reunimos para saudar a memória desse homem que fez da própria vida uma epopeia extraordinária.
E onde ele estiver agora, em qualquer dobra do tempo que tenha escolhido para se alojar, com certeza estará feliz por ser homenageado aqui, onde completou sua grande caminhada.
Quero agradecer a esta Academia Mineira de Letras, em meu nome e em nome de toda a minha família, por esta homenagem.
E agradeço a todos aqui presentes pelas manifestações de carinho que marcaram este encontro.
Pedro Nava, um dos autores mineiros que Francelino mais admirava, escreveu que “Minas não é passado nem lembrança, não é pretérito nem saudade, porque é essência, fundamento, presença e permanência”.
Esta é, talvez, a melhor definição para o que alguns chamam de “mineiridade”.
A mineiridade que meu pai vestiu e incorporou como se tivesse sempre respirado os ares dessas montanhas.
Mas a frase de Pedro Nava é também uma tradução exata do significado de Francelino para a nossa família, para seus amigos e para todos que, de alguma forma, foram tocados por ele.
Para todos nós, ele jamais será apenas lembrança ou saudade, pois, assim como Minas, é essência, fundamento, presença e permanência.
É por isso que hoje, ao nos reunirmos aqui, gostaríamos que este fosse também um momento de reflexão sobre o sentido da nossa existência.
Francelino nos deixou o exemplo da honradez, do amor à vida, da confiança no futuro e, acima de tudo, da solidariedade que se ergue sobre todas as diferenças.
E compreender, louvar e reproduzir esse exemplo é a melhor homenagem que podemos fazer a ele.
Muito obrigada a todos vocês.