Os computadores, a internet e, consequentemente, os e-mails, só começaram a fazer parte da minha realidade em meados dos anos noventa. Até então, eram frequentes as vezes em que me correspondia com amigos por meio de cartas. Extraía grande prazer do ato de escrever à mão, envolvendo ossos e músculos na produção do texto que depois seria posto em um envelope, geralmente com as bordas em verde e amarelo. Um charme especial era dado pelos selos. Tio Olímpio era grande filatelista e me ensinou a prestar a devida reverência a eles. Até hoje guardo uma pequena coleção com que me presenteou um dia, na esperança de que eu pudesse partilhar com ele do mesmo gosto.

A ida aos Correios completava o ritual. Que alegria imaginar o percurso da carta até o seu destino, as palavras viajando no tempo e no espaço, algo que talvez soe romântico para uns e anacrônico para outros, súditos do rei whatsapp, que não tolera demora de mais de cinco minutos. A espera pela resposta produzia uma sensação agradável, talvez parecida com a do agricultor que abriga uma semente na terra, sabendo aguardar, com tranquilidade, a hora da colheita.

Lembro-me especialmente dos anos de noventa e cinco e noventa e seis, período em que residi em Boston, nos Estados Unidos. Uma violenta tempestade de neve se abateu sobre a região, sem piedade, obrigando as pessoas a ficar em casa. As aulas foram suspensas. Só as atividades indispensáveis à vida comunitária (como as dos hospitais ou dos bombeiros) foram mantidas. Recordo-me de haver ficado quatro dias sem poder sequer aproximar-me da varanda. Naquele momento, escrever cartas foi o que combateu o meu ânimo cinza, aproximando-me, magicamente, de entes queridos tão distantes, e, pelo milagre da escrita, tão presentes.

Reflito a respeito desses temas durante a conferência da jornalista Márcia Maria Cruz sobre Literatura e o Gênero Epistolar, na Academia Mineira de Letras. Como destacou, se a carta é a escrita de si, por meio dela é possível conhecer um pouco, não só da obra, mas sobretudo da vida de seus autores. A carta contém uma narrativa, é testemunha de uma época, de suas delícias e de seus dramas. Muitas são fontes preciosas para historiadores. Outras querem ser apenas belas declarações de amor, talvez as mais potentes, muito superiores a qualquer ‘aúdio’ ou mensagem de texto enviada pelo celular. Faça a experiência…

 

Rogério Tavares é formado em Direito na UFMG, em Jornalismo na PUC Minas
e ocupa a cadeira n° 8 da AML.