Zé Torres, ou melhor José Antônio Breyner Torres, lançou em 2013 seu livro “Mineiríades – Cantos de Minas”, com versos muito irônicos sobre a gente de Belo Horizonte ou que aqui viveu. Eis o sexteto inicial: “Quando eu nasci, aquele anjo me olhou de soslaio e disse: – Seja o que Deus quiser! Amém”.

O registro vale para Márcio Moreira Alves, de ilustre família de minha cidade natal, com forte atividade política e social. À porta da casa de um deles, do médico João Alves e D. Tiburtina – se deu o famoso tiroteio de 6 de fevereiro de 1930, com mortos e feridos.

Pois bem. Márcio Moreira Alves se tornou o principal protagonista da batalha que resultou no Ato Institucional nº 5, em 1968. O ano que já bate à porta do calendário, o 2018, assinala o cinquentenário do AI-5, de temida lembrança, e de tantos outros fatos de repercussão internacional. Sobre o tema, Márcio escreveu “68 mudou o mundo”, lançado pela Nova Fronteira em 1993, com prefácio de Gilberto Dimenstein. O volume conduz um subtítulo: “A explosão dos sonhos libertários e a guinada conservadora num ano que valeu por décadas”.

Efetivamente assim é. Pode-se, assim, evocar Marx que, ao ensejo da Comuna de Paris, escreveu: “Há dias que valem por séculos na história dos povos”. A propósito, John Reed também lembrará a revolução russa de 1917 em “Dez dias que abalaram o mundo”.

Neste tempo em que se recorda com ênfase a Jornada contra a Fome, liderada pelo mineiro Betinho, Herbert José de Souza, gente do Norte de Minas, sociólogo e hemofílico, nada mais próprio do que advertir sobre 1968, quando se deram fatos dignos de menção. Há meio século, um discurso do deputado Márcio foi considerado ofensivo às Forças Armadas, contestadas veementemente, inclusive porque renovava denúncia de torturas.

Os estudantes ficaram ao lado do Márcio Alves, até porque ainda estava muito vívido o assassinato de Martin Luther King, líder da luta dos negros norte-americanos por seus plenos direitos civis. Executado em um hotel de Memphis, no Tennessee, sua morte foi um rastilho de pólvora pelos bairros pobres das grandes cidades de Tio Sam, com extensão pelo mundo. No Brasil, os grupos radicais defendiam a luta armada, embora Márcio sustentasse que os jovens não se moviam pelo sonho socialista, mas pelo sonho “pequeno burguês”. Queriam entrar na faculdade (como até hoje), conseguir uma vaga de trabalho, aumentar a competitividade no mercado, algo muito pragmático.

Enfim, um sonho de mudança, com a lei acima dos homens. O deputado se defendeu na Câmara, com o país tenso. Resultado: o AI-5 foi assinado em 13 de dezembro de 1968, embora se afirmasse que a decisão fora tomada em 27 de junho, quando um atentado a bomba matou um sentinela do QG do III Exército, em São Paulo. Com a invasão da Universidade de Brasília pelas forças de segurança, os ministros militares exigiram do Parlamento licença para processar Márcio, abrindo uma grave crise institucional.

Márcio foi cassado. Depois, veio o que se sabe e que o autor do livro, o próprio Márcio, conta em minúcias muito valiosas para visão mais aprofundada da questão.

Em resumo, estamos ingressando no cinquentenário de um ciclo da história que até hoje nos influencia.

 

 

Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23.