Sem praticamente ocupar maiores espaços nos meios de comunicação, transcorre o centenário da Revolução Russa em 2017, cantada em verso e prosa durante décadas. Os tempos dos comunistas mais acesos ou dos sonhadores arrefeceram.
John Reed, o jornalista norte-americano de Oregon, que fez a cobertura dos acontecimentos, transformou-a em livro – “10 dias que abalaram o mundo”. Escreveu: “Este livro é um pedaço da História, da História tal como eu a vi. Não pretendo ser senão um relato detalhado da Revolução de Outubro, isto é, daqueles dias em que os bolcheviques, à frente dos operários e soldados da Rússia, apoderaram-se do poder e o puseram nas mãos dos soviets”.
Em 29 de novembro, na Escola Imperial de Direito, na rua Fontanka, nº 6, reuniu-se, em São Petersburgo, o Comitê Executivo dos Soviets de Camponeses. Chegavam várias adesões e, finalmente, delegações procedentes do Palácio Smolni, sede do Parlamento. À noite, com estrelas, luz dos postes refletida na neve, ouviu-se a banda do Regimento Paulo, em uniforme de campanha, tocando a Marselhesa. Formou-se uma grande passeata a percorrer a cidade, festiva e estrepitosamente.
No Smolni, reuniam-se o Comitê Central Executivo dos Soviets e todo o Soviete da capital. Na sala, camponeses entravam sob aplausos. Tudo descrito pormenorizadamente por Reed. Maria Spiridonova subiu à tribuna, ela a mulher mais poderosa e amada da Rússia. Discursou: “Os operários da Rússia têm diante de si perspectivas históricas, até agora desconhecidas. Todos os movimentos revolucionários do proletariado, até o presente, foram derrotados. O movimento atual é internacional, eis porque é invencível. No mundo inteiro, não há força capaz de extinguir este incêndio revolucionário. O velho mundo desmorona-se e um novo mundo nasce”.
Um século depois, em meio ao silêncio dos defensores de ideias envelhecidas e da pragmática, a União Soviética não mais existe. Pôde, assim, lançar-se “O fim do homem soviético”, de Svetlana Aleksievith, Nobel de Literatura de 2015, publicado pela Companhia das Letras. É um retrato do povo soviético, “do povo russo e dos outros que compunham a União Soviética, herdeiro do grande império dos tzares”, segundo Mauro de Albuquerque Maia. Registra ele que a autora enfatiza que “a história analisa fatos e não emoções”. Cabe ao escritor, ao artista, perscrutar o ser humano e a sua liberdade.
A propósito lembro Masha Gessen, autora de “Putin: A face oculta do novo czar”. “Como a maioria dos cidadãos soviéticos de sua geração, Putin nunca foi um idealista político. Os seus pais podem ter acreditado ou não num futuro comunista para todo o mundo, no triunfo final da justiça ou para o proletariado ou qualquer outro desses clichês ideológicos que já estavam destacados enquanto ele crescia. A sua relação com esses ideais foi algo que nunca lhe passou pela cabeça”.
Putin substituiu a crença no comunismo, que já não parecia mais plausível ou sequer possível pela fé nas instituições. A sua lealdade era para com a KGB e o império a que ela servia e que devia proteger: a Rússia.
Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23.