Por gentileza do ex-presidente da Academia Mineira de Letras, acadêmico Orlando Vaz, chegou-me às mãos o livro recém-publicado do também ex-presidente acadêmico Olavo Romano: A Cidade submersa.
Coube a Rogério Faria Tavares fazer a apresentação e estudo do trabalho de nosso conhecido escritor, cuidadoso garimpeiro da melhor fala popular. Ao que se presume, Olavo Romano vive de papel e caneta se imiscuindo nas leiras de colheita farta, que são as rodas de amigos conviventes nos contos e recontos interioranos. Visita também a ”Arrumação”, do Saulo Laranjeira, em busca do melhor, no clássico popular da Televisão.
Olavo soube muito bem cuidar dessas preciosidades em todos os seus livros e mais agora, na recente publicação. Rogério Tavares, o novo coordenador, digamos, o Reitor da Universidade Livre da AML, pinçou, um a um, os ditosos textos do homem de Oliveira, conterrâneo venturoso de tantos outros amantes das letras; Rogério citou e nomeou as histórias mais chamativas, e, com certeza, entre elas, a que dá nome ao rebento último de Olavo. Esclarece o apresentador: “A linguagem de Olavo Romano acompanha o sortido de suas histórias, seguindo-lhe o compasso” – depois de atestar que em “A Cidade submersa e outras histórias sortidas”, Olavo Romano oferece ao leitor mais uma fascinante galeria de personagens, apresentada na melhor forma.”
A principio, estranhei o título: “A Cidade submersa”, o que me levou a pensar: poderia ter sido: “A cidade afogada”… Estaria Olavo Romano seguindo outros caminhos e se transferindo para o lado mais sério da escrituração? Lembrei-me logo de “A Cidade Antiga”, no qual Fuston de Coulenges nos coloca frente a frente com os povos primitivos, suas crenças, seus costumes, e etc… Até mesmo neste monumento memorialístico de História Medieval, certas citações do livro, na recuperação dos hábitos, bem poderiam ajudar ao nosso escritor de respeitáveis e tradicionais contos, amparados e colhidos na observação dos modos daqueles tempos. Um deles é relativo à vida de pessoas que já saíram do cenário dessa nossa vida sobre a face da terra.
Também “A cidade e as Serras”, com Eça de Queiroz dando-nos excelentes aulas de como o Português de além-mar se distanciava do nosso.
Fui pesquisar na minha já enfraquecida memória, e deparei com alguns dados que bem poderiam servir ao Autor cuidado neste desalinhavado texto; talvez pudesse encontrar jeito de encaixar suas peças clássicas populares a gostosos episódios do citado escritor português. Temos para isto o especial momento do escorregão em uma casca de laranja, na travessa da Trabuqueta, com o conseqüente tombo do imenso Jacinto Galião; voltava ele da inspeção às suas prósperas e substanciosas colheitas, em terras de semeadura, de vinhático, cortiça e de olival, entre o Tua e o Tinhela, com suas cinco fartas léguas. Nesse exato momento, saía de um portãozinho no muro que ladeava a cena, quem? O Sr. Infante D. Miguel, que, ao levantar o gordíssimo homem, exclamou: “Oh Jacinto Galião, que andas tu aqui, a essas horas, a rebolar pelas pedras?”
O Sr. Jacinto ficou tão agradecido à real personagem que, ao ser este deportado, na guerra com “o outro”, exclamara, inconformado: “Também cá não fico! Também cá não fico!” E mandou-se com a mulher, a senhora Angelina Fafes, e o filho Cintinho, para a “cidade”, Paris, parte do título do livro. “Lá chegou a mulher, esguedelhada, após o paquete ter encontrado tão rijos ventos, nas costas da Cantábria”.
Lembrei-me do Eça de Queirós porque Paulo Pinheiro Chagas, em seu autobiográfico livro “Esse velho vento da aventura”, nos revela que o famoso escritor português colaborou com o jornal “Gazeta do povo”, respeitável periódico de Oliveira, referido como um dos primeiros da imprensa nacional, o que foi confirmado por Olavo Romano.
Às vezes, voltamos a pensar que o Autor irá pegar caminho diverso, e enveredar por trilhas de altas “prosopopéias e coisas tais”, exemplo é a “Tremosfera do Oto”, que sozinha já determina a especialidade do escritor, mas, do meio para o final do livro, dá-se o reverso, e o temos como antes e sempre: contador de “causos”.
Escrever é um ato próprio de quem pensa. E Descartes, quando repete a famosa frase “Je pense, donc je suis”, ensina-nos a passar para o papel nossas idéias, sejam ou não grandes pensamentos. Ato de extrema dificuldade é o de tecer a estrutura adequada à fala de outrem, dando-lhe digno acatamento, e principalmente, agindo de modo a construir-lhe espaço próprio. Em se tratando de Olavo, sempre a frase que faz rir acomoda-se com justeza ao cenário que foi preservado à hilaridade, para o que ele é o mestre! No caso do conto A Cidade Submersa, temos o seu arremate da melhor forma, no diálogo da dona Isaurinha com o representante da empresa responsável pelas pesquisas no “campo santo”; quando a velha discordou da neta, afirmando que aquele não era o crânio da mãe de Imaculada, porque ela não tinha dentes, diz o escritor:
“Sol posto, a velha encasquetada, interrompera o trabalho. No carro, o moço da empresa tentou dobrar dona Isaurinha: “A senhora sabe que umas coisas ainda crescem depois da morte – cabelo e unha, qualquer um sabe. Agora, nascer dente?” -duvidou.”Às vezes, pode acontecer, não é mesmo?” -disse ele, tenteando. Ela o fuzilou definitiva: “Biturado?!”
A sonoridade da gargalhada do Autor fecha a cortina rapidamente.
Carmen Schneider Guimarães – Escritora/Presidente emérita da AFEMIL – Acadêmica da AML, ocupa a cadeira nº 5.