Lançado recentemente, o livro “A saga da família Klabin-Lafer”, de Ronaldo Costa Couto, tem alcançado grande repercussão. Leia trecho da carta de José Pastore a Celso Lafer, ambos da Academia Paulista de Letras.
“(…) Não consegui parar de ler. Afastei todas as leituras programadas, rendendo-me à força da curiosidade ao saber que, sem lenço e nem documento, e muito menos um mínimo de recursos (tinha apenas 9 libras esterlinas), Mauricio Freeman Klabin, com apenas 29 anos, embarcou para um país estranho, sem conhecer ninguém e sem falar a língua na esperança (certeza?) de fazer a América. Fantástico!
Dali para frente fui mergulhando na brilhante narrativa. Ao fugir da Lituânia (que conheci bem em estudo que fiz em 2004) onde grassava a pavorosa perseguição russa, que, além da perseguição aos judeus, exigia 18 anos de vida militar (!), Mauricio foi para Londres para enfrentar incontestáveis dificuldades, decidindo, então, com enorme coragem, construir uma família e uma empresa no Brasil.
A descrição da viagem de navio é profundamente comovente – desconforto, sujeira, doenças, etc. Mostra bem o que era o mundo no final do século 19.
Para mim foi uma grande lição de vida ver que de um homem que dormiu em colchão de palha de milho e começou como empregado de uma simples tipografia pudesse nascer um grupo que gradualmente foi se firmando como um poderoso e moderno complexo industrial.
Não há dúvida. Essa é uma das histórias mais fascinantes que li sobre os grandes empreendedores brasileiros.
O mais maravilhoso em toda essa história foi constatar a conservação dos princípios que sustentam a valorização da família dentro de cânones éticos e morais. E que, ao longo do tempo, os familiares apreenderam a colocar os interesses da empresa acima dos interesses individuais. Essa é uma força poderosa para enfrentar crises – e não foram poucas – falta de matéria prima, dificuldades técnicas, incêndios pavorosos (em especial em 1963 com a destruição de milhões de hectares de reservas florestais) e grave crise financeira (2002) quando os bens pessoais dos acionistas foram dados como garantia aos bancos, contrariando até mesmo as recomendações dos advogados. Incrível é o valor que a família dá ao seu nome e à empresa! Não foi apenas retórica: foi o desprendimento prático dos bens familiares mais valiosos para fazer sobreviver os bens da empresa.
Igualmente fantástico é o desembarque no Brasil de Wolff Z. Kadischewitz com 7 anos – o futuro Wolff da Klabin (o Príncipe Russo…muito engraçado…) que tanto ajudou a família e o próprio crescimento do fabuloso complexo industrial – tudo com base em sua extraordinária capacidade de bem interagir com as pessoas, formando inclusive uma dupla imbatível com Horacio Lafer nos negócios e na política. Essa é outra história impressionante – o trabalho magistral de Wolff com os governantes do tempo de Getúlio e até mesmo de Juscelino.
Lafer e Klabin são uma só família. Trata-se de um arranjo familiar inusitado. E que se conservou forte até os dias atuais.
Impressionante também é a atenção dada à captação de novos conhecimentos e novas tecnologias ao redor do mundo. Para os Lafer-Klabin o mundo sempre foi pequeno. Ainda nos primeiros anos do século 20, com a maior tranqüilidade, Mauricio embarcou com a família para a Europa precisamente com essa missão para ali idealizar a montagem de uma indústria arrojada e produtiva.
Foi com base na valorização da família, da ética e da moral, associada à uma verdadeira fome de ciência e tecnologia que os descendentes de Maurício vieram a concretizar o seu sonho. Linda história. E muito educativa. Costa Couto relata em detalhes o esforço gigantesco feito por cada um dos membros daquela operosa família e a sua capacidade de enxergar longe toda vez que surgiu uma oportunidade de curto prazo como foi a restrição às importações de papel e de equipamentos fabris no esforço de substituição de importações levado avante pelo Getulio. Mas, tudo feito sem precipitação, sem ousadias ou maluquices e sempre com trabalho sério e honesto. Gostei da frase: para os Klabin-Lafer o verdadeiro lobby era o trabalho – quase todos workholics incuráveis…
Muito bonito também é o apoio da família às obras sociais, à arte e à cultura em geral. Para mim tem sido um privilegio assistir à apresentação de grandes artistas na Fundação Ema Klabin.
Extraordinário é a privilegiada veia de humor de Costa Couto quando insere estórias divertidas como a do Einstein ao dizer que teve apenas uma idéia… que deu muita confusão. Isso, junto com a narrativa precisa ancorada em pesquisa profunda tornou o texto muito leve e provoca a curiosidade do leitor para ir às próximas páginas. Ou seja, o livro foi a união de uma bela história de vida com uma elegante narrativa literária. Terá de ser premiado com o Jabuti em 2018 como a melhor biografia de 2017. É isso que espero.
Fui devorando as páginas e me sentindo cada vez mais próximo da história que ali ia se desenrolando. Sim, porque chegaram os momentos nos quais curti o cordial convívio com o extraordinário Pedro Piva no Senado Federal para onde ia fazer a minha cruzada em favor da reforma trabalhista. Sempre me recebeu com atenção e interesse em melhorar o Brasil.
O mesmo posso dizer de vocês dois. Horacio – com quem convivi na FIESP e CNI – sempre foi admirado por sua atuação firme no esforço de modernizar aquelas instituições, lutando contra a eternização dos seus dirigentes. O seu artigo sobre o “Sindicalismo sem resultado” publicado na Folha recentemente mostra que Horacio está atento ao que acontece nas entidades empresariais e pode, muito bem, dar um jeito nelas, pois ainda é muito jovem.
E Celso, meu colega da APL e intelectual de respeito (não sabia que ele varava as noites estudando na adolescência… está explicado!) a quem aprendi a respeitar desde os tempos do seu magnífico doutorado em Cornell e dos seus trabalhos sobre Hannah Arendt e Norberto Bobbio. Tive o privilégio de receber seus trabalhos quando se candidatou à APL e o prazer de ler todos. Fiquei emocionado com seu discurso ao prestar uma honrada e justificável homenagem a Antonio Ermírio de Moraes, meu amigo e irmão por mais de 35 anos.
Mas, muita coisa eu não conhecia ou tinha uma informação errada ou parcial sobre pessoas e fatos da realidade brasileira. É o caso da Nitro-Quimica. Sempre achei que a compra da empresa falida nos EUA e a montagem em São Miguel tinha sido obra exclusiva de José Ermírio de Moraes e, vi no livro, que essa ousada operação teve a participação direta dos Klabin. Não conhecia as inúmeras incursões da Klabin a tantos ramos industriais (além do papel e celulose). Não sabia da articulação de Horacio-Getulio-Oswaldo Aranha na criação do Estado de Israel (fabuloso!).
Sabia, porém, que Horacio Lafer tocou violino e que teve um Stradivarius magnífico que, segundo entendo, está atualmente nas mãos da extraordinária Anne Sophie Mutter – valendo uns US$ 15 milhões ou mais.
Empresa competitiva, padrão internacional, bem administrada, presença nas fabricas, atenção aos empregados, valorização do seu capital humano, pesquisa e aperfeiçoamento constantes – são os valores praticados pela Klabin. É hoje em dia o mais bem conceituado complexo industrial do Brasil. Está entre as 10 maiores fabricas do mundo (Projeto MA-1100). Tudo feito com muito planejamento. Gostei da frase lembrada por Horácio: “se tiver apenas 6 horas para derrubar uma arvore, passarei as quatro primeiras afiando o machado” (Abraham Lincoln). A formação dos herdeiros ocorreu e continua ocorrendo nas melhores universidades do mundo. Isso faz muita diferença.
Vou parando por aqui para dizer que adorei ler a belíssima obra de Ronaldo Costa Couto – A saga da família Klabin-Lafer. Vocês estão de parabéns pela escolha desse fabuloso pesquisador. Queiram, por favor, encaminhar meus cumprimentos a ele. Sempre gostei do seu trabalho.”