Por: Márcia Maria Cruz.

A.L.P. Gouthier se lança na busca de sua origem familiar e, na busca, escreve obra que contesta a versão portuguesa do descobrimento

A escritora belo-horizontina A.L.P. Gouthier reconta a história do Brasil a partir de povos que aqui habitaram antes da chegada dos portugueses. Extenso trabalho de pesquisa é apresentado no livro Pindorama, antigas trilhas humanas (Anastasia Publicações, 2016), obra de estreia da escritora. Produzido com apoio da Lei de Rouanet de Incentivo à Cultura, o livro foi lançado em Belo Horizonte,em julho, na Livraria Leitura do BH Shopping.

Na trilha de seus ancestrais, a autora descobriu Luciana que era Krenac, povo que viveu no Oeste de Minas na primeira metade do século XIX. “A descoberta despertou em mim o interesse pelo estudo dos povos indígenas brasileiros. Passo a passo a minha pesquisa me conduziu fora do continente americano e a um passado longínquo quando os seres humanos apenas despontavam da África”, revela.

Nascida em Belo Horizonte, Anna Gouthier reside em Londres e no Rio de Janeiro, de onde gerencia os negócios da família. À frente da Anastasia Publicações, assumiu a nomenclatura de ALP Gouthier, derivada de Anna Luciana Pereira Gouthier, quando resolveu se dedicar também à carreira de escritora. Nesta entrevista ela fala sobre o seu primeiro livro, o blog literário que mantém e os planos para uma próxima obra.

Anna, em ‘Pindorama’ você fala sobre o processo de migração que trouxe diversos povos ao Brasil antes da chegada dos portugueses. O que te levou a esta pesquisa?

Ao descobrir uma antepassada indígena, da tribo dos Botocudos ou povo de Krenac, eu quis saber a origem desse povo. E através dessa pesquisa eu fui percorrendo milênios de um passado longínquo, não conseguindo parar até chegar a origem de todos nós, na África.

Em que momento você decidiu se dedicar à literatura?

Ah, esse momento é ilusivo. Ou teriam sido vários momentos? A vontade de contar histórias sempre existiu dentro de mim, mas a dificuldade está em como organizar esse material ainda apenas mental em algo que poderia valer a pena a outras pessoas. E para isso temos que almejar a, pelo menos, um certo nível de estilo literário que só se alcança com muita pratica.

 “Pindorama” é um livro que requis muita pesquisa. Fale um pouco sobre o seu processo criativo?

Antes de propriamente de escrever Pindorama, montei um plano de ação, na forma de títulos de capítulos sobre os quais eu devia pesquisar, e assim idealizei a abrangência do livro. Esse plano inicial, em alguns casos sofreu alterações mesmo de ordem cronológica – como quando descobri que os Botocudos haviam chegado à Pindorama milênios antes dos Tupis, ou sofreu também adições não pensadas primeiramente. Em seguida, a pesquisa foi sendo apenas jogada dentro de cada capítulo, inicialmente em qualquer ordem.

Numa segunda etapa, já dentro de cada capítulo, tive que montar um sistema para organizar a pesquisa acumulada, ou seja, onde alocar informações de diversas fontes numa sequência, às vezes compartimentada, mas também cronológica. Esse processo se tornou um verdadeiro quebra-cabeças ao qual eu apliquei vários truques para facilitar a ordem. Por exemplo: cores diferentes para informação sobre vários continentes ou povos, ou ainda o artifício de colocar no princípio de cada parágrafo, ou mesmo frase, uma data em negrito, assim facilitando a organização lógica da informação. Foi somente numa terceira fase que eu comecei a tecer a minha história, a qual utilizava da pesquisa de outros estudiosos para sua confirmação. E esse trabalho final foi o que necessitou de lógica e de arte para dar a esse material uma sequência e uma leveza que o faria agradável ao leitor.

Você mantém um blog literário. Fale-nos um pouco sobre ele. Como você transita entre diferentes gêneros (poesia e prosa)?

Criei um blog para me dar coragem de mostrar o meu trabalho ao público, e me surpreendi com o seu sucesso. Nele apresento trechos de livros, quando ainda em andamento, e poemas meus ainda não publicados. Mas eu gosto de misturar a poesia e a prosa, o que farei num próximo livro, uma antologia biográfica, intitulado A Guerreira de Bronze – onde a história será contada em prosa e as emoções afloram em poesia.

Atualmente você mora em Londres, mas mantém fortes vínculos com Belo Horizonte, sua cidade natal e onde mantém os negócios da família. Como é estar nesses dois lugares?

Belo Horizonte representa para mim a minha origem e grande parte do meu passado, onde fui feliz entre meus familiares; e mais tarde infeliz após a morte de meus pais. Eu sempre volto porque as lembranças boas são mais fortes que as ruins. E Londres, já estou há tanto tempo que também tenho um passado do qual me lembrar: um primeiro grande amor, o nascimento e infância dos meus filhos, uma longa vida, e o meu presente.  Esse é um local que quase sempre me trouxe muita tranquilidade.

Etimologia é um dos seus grandes interesses. De onde vem essa paixão pelas palavras?

Várias ciências como a genética, a antropologia e outras estudam e comprovam histórias sobre um passado longínquo. Mas ao pesquisar ao longo de séculos e milênios descobre-se que são as palavras que carregam a nossa herança cultural, quando quase tudo mais já foi esquecido. E portanto, as palavras devem ser tratadas com carinho e analisadas para podermos ter todo o seu rico conteúdo.