Foto: Tatiana Bicalho

Agraciada pelo Prêmio Academia Mineira de Letras por seu romance Caruncho, a escritora e editora Laura Cohen Rabelo nasceu e vive em Belo Horizonte. Nesta entrevista, ela fala sobre o processo de se descobrir escritora, dá dicas para quem está começando agora na literatura e destaca o significado deste prêmio para sua carreira.

Mestre em Estudos Literários pela FALE/UFMG, Laura publicou os romances História da Água (Impressões de Minas, 2012) e Ainda (Leme, 2014) e Canção sem palavras (Scriptum, 2017) e os livretos de poesia Ferro (Leme, 2016) e Escrever é uma maneira de se pensar para fora (Leme, 2018).  Também é idealizadora e coordenadora do projeto Estratégias Narrativas, onde dá oficinas de criação literária e edição desde 2013.

Como você se descobriu escritora?

Não consigo me lembrar bem disso, porque a gente se constrói, em vez de se descobrir. Para ser honesta, eu me lembro de escrever desde quando fui alfabetizada: toda a magia dos cadernos, dos lápis, da materialidade, isso me encanta até hoje. Antes de escrever, eu desenhava muito, cresci no ateliê de artes da Thereza Portes e da mãe dela, a Júlia Portes, grandes artistas, considero isso um dos maiores privilégios da vida. Sempre gostei de livros e não saber ler era uma aflição. Na adolescência, eu sentia que a escrita era a coisa mais importante para mim, era um espaço que simultaneamente me dominava e me solucionava. Lá estava uma espécie de salvação, na qual acredito: a gente escreve e alguma coisa muda, a gente presta atenção na vida, a gente cria um mundo novo. Fiz um pacto comigo mesma: a escrita é a coisa mais importante, eu deveria colocá-la em primeiro lugar. E é assim até hoje. Se não coloco a escrita em primeiro lugar, eu caio numa fossa. Entretanto, acho que só me tornei escritora mesmo quando a Elza Silveira, minha editora, disse para mim que eu era escritora.

O que significa este prêmio para você?

Por mais que isso não seja exatamente o que me guia, todo mundo que faz arte quer reconhecimento. Eu estou muito feliz com a visibilidade que o Caruncho passa a ter por causa do prêmio, e como ele pode ir roer outros leitores por aí… Um prêmio como esse também é muito legal porque muda a realidade financeira de quem escreve, mas também da editora, e isso tudo nos incentiva a escrever mais, e publicar mais. Acho que o prêmio ser para o livro, para autora e para a editora cria uma espécie de coroação de uma relação muito especial que tenho com a Impressões de Minas. O interessante e bizarro é que o Caruncho foi desenvolvido numa oficina que fiz na AML com o Assis Brasil, uma oficina sobre romance e acho que ela contribuiu muito para retirar a minha ansiedade. O Assis Brasil fala da escrita com um maravilhoso gesto de paciência. Eu já tinha a ideia para o livro, mas levar essa ideia para um autor que é pioneiro em escrever sobre música (como eu escrevo) foi maravilhoso. Eu estou muito grata por isso tudo e cheia de vontade de escrever.

O livro Caruncho toma seu nome emprestado de um inseto que come livros. Por quê?

O Caruncho foi um livro que escrevi entre 2017 e 2021 e na maior parte desse tempo o livro ficou sem nome. Chamávamos de “livro do maestro”. Até que no meio da escrita deu caruncho no piano do meu amigo Igor Reyner. Ele estava passando por vários problemas na época, o livro foi escrito num super diálogo com o Igor. Era como se os carunchos tivessem tomado conta da vida dele. Daí pensei que isso ia ficar bem na trama do livro: um piano com caruncho. O bichinho foi se tornando um significante para o livro, uma vez que a trama é sobre a decomposição, o desgaste, o consumo das relações, do corpo, da sanidade entre três músicos. E achei legal esse caruncho, nome-próprio da espécie, uma vez que ninguém no livro tem nome. Então a Elza Silveira veio com essa ideia genial de capa, que aparece toda roída pelo caruncho.

Como resumiria o livro para quem está te conhecendo agora?

Comecei a escrever o Caruncho porque eu estava de saco cheio de mim mesma e queria escrever sobre personagens que não fossem eu e personagens que fossem ao mesmo tempo opostos entre si. Ele é um livro sobre o desgaste: das relações, entre as pessoas, da própria vida. A trama está sobre um maestro idoso que vai reger o último concerto de uma antiga pupila sua, uma violoncelista. O livro é narrado em dois pontos de vista em capítulos alternados: o presente do maestro, que está doente e o passado da violoncelista que se lembra de acontecimentos há dez anos que fizeram com que ela rompesse relações com essa maestro. Nenhum personagem do livro tem nome: eles respondem apenas por suas funções.

Você é idealizadora e coordenadora do projeto Estratégias Narrativas, onde dá oficinas de criação literária e edição desde 2013. Quais são suas recomendações a quem está começando agora na escrita?

Não dá para escrever sozinha. Lá nos anos 2000 não existia ateliê de escrita em Belo Horizonte, então fui fazer ateliê de desenho. Em 2013, abri um ateliê de escrita dentro do ateliê de desenho do meu professor, o Marcelino Peixoto, e foi uma ideia dele: por que não tem ateliê de escrita literária? Assim começamos. Nesses dez anos de ofício, o que mais me impressiona é a força das boas relações, das relações interessadas na escrita. Então, a minha recomendação principal é que a gente se cerque de gente que está ali para criar uma Comunidade Criativa, termo que minha coordenadora Tailze Melo usa muito. Veja só o número de pessoas que citei nessa entrevista… Para mim, o material humano é o que mais faz surgir a escrita. Estar cercada de pessoas que escrevem e que tratam sua escrita com cuidado e dignidade. Eu mesma não paro de fazer oficina de escrita: estou fazendo uma com a Lilian Sais e não arredo meu pé do Espaço a’mais, coordenado pela Maraiza Labanca, um paraíso na cidade de BH. Além da companhia dos vivos, a gente precisa também se munir da companhia dos mortos: ler aqueles que vieram antes de nós, manter viva a palavra dessas pessoas.

E quais são seus projetos para o futuro?

Eu escrevo muitas coisas ao mesmo tempo, e essa também é uma dica que eu daria para quem escreve: não deixe a escrita de um livro te escravizar. Se não há prazer, é permitido pausar (ou abandonar). Escreva outra coisa: os livros terminam de ser escritos no tempo deles e pausas são super bem-vindas. Estou com um livro de poemas pronto, ainda sem notícias de publicação, e tem mais um romance que está no prelo. Vai sair por uma editora nova chamada Zain, que publica livros sobre música e se chama “Duas línguas”. Também vou publicar em breve um conto com a Alecrim, pelas mãos do incrível Iago Passos, que se chama “Cu riscado”. Gosto muito de ter experiências editoriais. No próximo semestre, quero também voltar a dar oficinas de romance e uma oficina de poema e narrativa.

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