Destino é uma coisa difícil de entender-se.
A jovem de 12 anos encontrava-se no cais do porto, onde, após as aulas, pegava a lancha que atravessava a baía de Vitória, e a deixava em Paul, local em que tomaria o bonde para o segundo tempo do trajeto diário, de ida e volta. Naquele dia, um alarido diferente preenchia os ares da capital espírito-santense. Meninos-jornaleiros bradavam: “GUERRA! GUERRA! A ALEMANHA INVADIU A POLÔNIA!”.
Até chegar em casa, e ouvir do pai as explicações que ele acabara de captar nas ondas do rádio, onde colava o ouvido para perceber melhor o teor das alarmantes notícias, fugindo dos “estáticos”, a jovem não atinara com a importância dos berros dos meninos que vendiam jornais, pois era esse o hábito da época. Ela pensava: “Que temos nós a ver com isso, já que a guerra é em outro mundo, isto é, na Europa?” Mas ela se enganava. Daquela invasão tão distante, surgiria para ela o rumo de sua vida.
Alguns anos mais tarde, o presidente Getúlio Vargas, coagido (já que demonstrava certa simpatia pelas ideias do Führer), decidiu declarar guerra à Alemanha, a partir de pressões internas, motivadas por torpedeamentos de navios nossos, nas costas do país. O Exército Brasileiro formou legiões de “Expedicionários”, que seguiam para a Itália, a fim de combater as tropas do denominado “Eixo”, que se compunha das potências da Alemanha, da Itália e do Japão; e os “pracinhas” cantavam, naquele mesmo cais do porto, de onde partiam para o “front” da Segunda Guerra Mundial: “Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá. Sem que leve por divisa esse V que simboliza a vitória que virá…”
Os dirigentes militares brasileiros decidiram resguardar também o litoral do país, enviando oficiais e aspirantes a fim de estabelecerem-se núcleos de defesa em ilhas e ilhotas de nossa costa.
De Minas Gerais, em maio de 1943, chegaram dez aspirantes e alguns oficiais, para o Batalhão do Terceiro BC (hoje, Coronel Tibúrcio), sediado em Vila Velha, e é, exatamente, onde começa esta história. Um daqueles jovens aspirantes, nascido na terra que Gonçalves da Guia palmilhou em primeira mão, a Itaúna que o Tupi nomeou mais tarde, apaixonado, ele mesmo, tornou-se o protagonista desta novela.
Quatro anos mais tarde, conforme promessa ao pai da escolhida, o Segundo Tenente e bacharel recém-formado, José Luiz Gonçalves Guimarães, foi buscar a “Menina da Ilha” – que vivera sempre cercada de água por todos os lados, para acomodá-la entre montanhas e vales. A moça trocou a paisagem marinha, a imagem laboriosa dos pescadores espírito-santenses, pelos boiadeiros das terras e faiscadores dos rios mineiros. Situou-se naquele peito de ferro, com um nobre coração de ouro, na metáfora do poeta.
Em mãos, hoje, sessenta e cinco anos mais tarde, com muito orgulho, a Certidão de Nascimento que o povo santanense me outorgou, pelo voto da sua egrégia Câmara Municipal, em 13 de maio de 2014. Vim buscar, em 1949, aconchego e pedir pousada, e recebo, além de tudo, amor e carinho, já que sou eu mesma, aquela “jovem da ilha”. Não posso dizer mais nada – apenas que me sinto feliz por nascer de novo, na terra de meu marido, onde criei cinco filhos e arregimentei para minha biografia afetiva um contingente de amigos, agora irmãos de berço. Esta é minha nova certidão de vida, recebida em 1º de novembro de 2014, em Itaúna, na Sant´Ana do Rio São João Acima, nesta comuna brilhante, de nobres e valorosos conterrâneos.
Por Carmen Schneider Guimarães
Ocupa a cadeira n.5 da Academia Mineira de Letras e é membro do Conselho Fiscal da Universidade de Itaúna. Texto publicado na Revista da Academia Mineira de Letras | Ano 94° – volume LXXI – 2015
Texto publicado também no jornal Folha do Povo, de Itaúna, dias antes de a autora receber a outorga da Câmara Municipal, no Grande Teatro da Universidade de Itaúna.