Inquietações e esperanças

                                                                                                         Caio Boschi *

 

Não vou registrar rotinas ou episódios do meu cotidiano nesses tempos tormentosos. Opto por narrar desassossegos que neles e por eles fica(ra)m agravados. Nas linhas que se seguem, torna-se flagrante, desde o início, a ausência de originalidade e de exclusividade na percepção e na vivência expostas.

Começo por lembrar que epidemias e pandemias são recorrentes na história dos povos. Só por isso, o surgimento da COVID-19 não causa surpresa. O impactante é constatar o quanto estávamos – e estamos – despreparados para a sua manifestação e rápida expansão. Há tempos convivíamos, dentre outros indícios, com a crise do neoliberalismo, com avassaladora tragédia ecológico-ambiental e com variadas formas de mortalidades coletivas, fenômenos denunciados nas últimas décadas em tantos e tão disseminados protestos sociais.

Agora, então, cuidamo-nos uns aos outros, exercitando, dentre outras medidas profiláticas, o distanciamento social. Que disparate! Para ser solidário é necessário ser (por vezes) solitário. Mas, solidários com quem? Sem desdenhar ações individuais e coletivas de louvável empatia, assinale-se que a pandemia, uma vez mais, desnudou a histórica falta de solidariedade dos brasileiros.

No cenário, horrorizamo-nos com a naturalização da morte veiculada pelos noticiários. A mortandade versada como meras e frias estatísticas, uma permanente exibição de números. Escassos e superficiais comentários sobre a melancolia no momento da despedida e do sepultamento dos vitimados. Silêncio em torno dos imponderáveis reflexos psíquicos e afetivos de frustrados funerais.  A tais posturas somam-se o desvario, a insensibilidade e a indiferença de determinados (des)governantes, a quem, polêmicas conceituais à parte, não seria impróprio qualificar de genocidas.

Confrontado com esse bombardeio, outra inquietude é ter consciência de que a propagação do coronavírus não se opera indistintamente, do mesmo modo que a quarentena apresenta-se sempre discriminatória. São muitos os “coletivos sociais” por ela abrangidos, conforme apontou Boaventura de Sousa Santos em A cruel pedagogia do vírus (Coimbra: Almedina, 2020). Tampouco são universais as recomendações para a debelação da COVID-19. Basta mencionar o angustiante e criminoso descontrole das pessoas nas paragens e no interior dos transportes coletivos.

Não tergiversemos: a pandemia exacerbou nossas deploráveis desigualdades sociais! Ademais, considere-se que, na circunstância e mais do que nunca, o vocábulo quarentena nega seu significado de origem. Quarentena, por quanto tempo? E, até quando?

Não bastasse o diuturno desespero face à perspectiva do contágio, preparemo-nos para viver as recém-anunciadas evidências de que a transmissão da COVID-19 também acontece pelo ar. Seja como for, ao fim e ao cabo, desejamos todos que, a despeito do temeroso advento de novas doenças infecciosas, o antídoto decisivo ao atual coronavírus não tarde. Nesse ínterim, e sempre, propalemos a indignação e combatamos por uma humanidade mais justa!

 

*Professor de História na PUC Minas. Membro da Academia Mineira de Letras.