O documentário de curta-metragem Ângelo (Brasil, 28’, 2020), filme da diretora Mariana Machado, estreia na 9ª edição da Mostra Ecofalante de Cinema, um dos mais importantes eventos audiovisuais sul-americanos dedicados a temáticas socioambientais, que acontecerá de 12 de agosto a 20 de setembro. Com uma programação inteiramente online e gratuita, a mostra contará com a exibição de 98 títulos de 24 países, muitos deles inéditos no Brasil. Ângelo está disponível online no link: https://ecofalante.org.br/filme/angelo

Selecionado na categoria Concurso Curta Ecofalante, Ângelo concorrerá ao prêmio de “Melhor Curta Ecofalante” e “Melhor Filme Pelo Público”, este com votações online. O documentário surgiu a partir de um desejo antigo de Mariana Machado em realizar um retrato fílmico sobre seu avô Ângelo Barbosa Monteiro Machado, renomado cientista, professor de neuroanatomia e zoologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dramaturgo, escritor, ambientalista e entomólogo apaixonado por libélulas e borboletas (ao longo de sua vida, descreveu 102 espécies novas de libélulas, e seu nome foi incorporado a 27 seres vivos, como homenagem de outros pesquisadores ao seu trabalho).

O filme documentário começou a ser realizado em março de 2018 e foi finalizado no início de 2020. Ângelo também acompanhou os resultados do processo de montagem da diretora, viu o curta-metragem finalizado e gostou muito do resultado. Afirmava que essa também era uma forma de passar sua memória para novas gerações, inclusive para futuros netos e bisnetos. Infelizmente, Ângelo Machado faleceu no dia 06 de abril de 2020, aos 84 anos, vítima de enfarte. “Meu avô certamente iria ficar muito contente com a estreia do filme nesta mostra; ele que através da literatura, da ciência e do ambientalismo difundiu ideias e atuou intensamente em prol da conservação da natureza dentro e fora do estado de Minas Gerais. Admiro muito sua trajetória, e acredito que o contexto de pandemia que estamos passando levanta ainda novas questões a respeito da importância de se discutir, refletir e agir em defesa do meio ambiente”, afirma a cineasta.

O curta foi filmado quase inteiramente na casa onde Ângelo viveu por 50 anos, onde constituiu sua família e  passou a vida com sua esposa, Conceição Ribeiro Machado, que também foi uma importante cientista e professora titular do departamento de morfologia da UFMG. A casa é um local de grande valor simbólico para a diretora e seu avô. Mariana Machado explica que esse retrato se debruça na observação de gestos, expressões, vivências e resgate de memórias para se formar, e é fruto de encontros nos quais  ela e o avô se apropriavam de sua história para construir algo de novo. “Mesmo o filme também trazendo aspectos da biografia pública de meu avô, para essa construção foi muito mais importante nosso engajamento no presente e nossas apropriações sobre sua história, que se desdobravam em diferentes possibilidades fílmicas, do que respeitar certa coerência e linearidade biográficas. Essa decisão foi fundamental para elaborar algumas dimensões temporais importantes para mim na criação deste retrato: a da memória, do cotidiano, e a da invenção”.

Ângelo circunscreve relações de afeto. “Tanto a nossa, que é de onde o filme parte, quanto outras que circundaram a vida de meu avô, compondo esse mosaico de memórias e presenças que o filme tenta abarcar: minha avó Conceição, suas libélulas e borboletas, seus livros e peças de teatro, imagens feitas por ele de suas viagens, os seus lugares queridos como a Serra do Cipó e Amazônia, a natureza em si, que ele tanto estudou e protegeu, seu gosto por se reinventar a todo tempo (inclusive diante da câmera), sua arte (e arte/vida), e claro, sua própria paixão pela vida. Enfim, os vários amores que o atravessaram”, destaca.

Em carta escrita para Mariana Machado, que faz parte do projeto Geografia Epistolar da UFMG e publicada na plataforma Surrealpolitik, Pedro Rena, um dos idealizadores do projeto, diz:  “Ângelo é um filme sobre o encontro de um colecionador de libélulas com uma colecionadora de imagens. (…) Um filme sobre estar à vontade junto. Sobre estar à vontade com o mundo, com a natureza, com as coisas. (…) Acho que ele — assim como minha avó — é um desses seres que são de outro mundo. Um mundo maravilhoso dos insetos, das crianças, da literatura. Desses seres que encontram (ou inventam) um mundo dissonante. Essa força de uma vivência na imaginação”.

As filmagens desse curta-metragem não contaram com equipe para além de Mariana e Ângelo. Portanto, além de diretora e montadora, Mariana executou outras funções como produção, fotografia e o som do filme. “Tomei essa decisão a fim de manter a intimidade de nossos encontros, para que meu avô se sentisse mais livre durante as gravações e seguro para se expressar. Antes mesmo do filme pronto, me interessava muito mais o seu processo de construção, e eu priorizava um processo de filmagem longo e espontâneo. Acredito que reduzir as gravações a apenas nós dois também intensificou nossa vivência”, ressalta.

Filme retrato e personagens 

Durante a realização do documentário, uma reflexão constante da cineasta Mariana Machado era também sobre a sua participação, de que maneira e em qual nível de presença ela se colocaria nas cenas, tanto na frente quanto atrás da câmera. Para Glaura Cardoso, professora de narrativas audiovisuais e colaboradora do Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte – forumdoc.bh, “há no filme uma autoconsciência ética em relação a como expor a intimidade. Quando Mariana filma o seu avô e é filmada no espelho, isso apresenta a realidade duplicada nessa fabulação em que ambos se lançam. Acho que o filme tem essa ambivalência entre a ficcionalização e o real que a câmera encontra. Essa ficcionalização se dá na relação da proximidade travada entre ambos”, diz.

Ângelo constrói, a partir de um olhar íntimo e familiar entre o protagonista e sua neta, um retrato multifacetado do personagem. “Queria entender pelas imagens e pelo processo de criação das mesmas, o que se passa entre microrrelações, nesses mundos que se criam entre poucas pessoas, entre duas no caso. Relações de cumplicidade, de acordos pelo olhar, de trocas de saberes, de escutas e cuidado. Acredito que levantar questões como essas é também refletir sobre micropolíticas, para mim um tema muito importante”, conta a cineasta. Nas palavras de Pedro Rena: “Fico pensando nessa política do filme, nessa ética: um modo de viver, de experimentar, de pensar, de amar, de perceber. E como o filme apresenta isso com muita espontaneidade, sem forçar, me parece um discurso político com palavras apenas”.

A diretora afirma que o filme é também uma homenagem às relações que estão do nosso lado, e que muitas vezes, pelo naturalismo da coisa, passam-se despercebidas novas possibilidades que podem guardar. “Importante é estar atento, desvelar cotidianos, oferecer novos olhares e ouvidos para tudo o que nos cerca. Sigo tentando descobrir o que se esconde por detrás desses panos, buscando novas possibilidades de partilhas nos dias comuns. O filme é uma celebração da existência desse ser: Ângelo. Um gesto amor. Criar também é isso, afinal”, revela.

Sobre Ângelo Machado

Graduado em Medicina pela UFMG em 1958, Ângelo Machado nunca exerceu a profissão, dedicando-se então ao ensino e à pesquisa na área de neurociência na mesma universidade, época em que escreveu o livro “Neuroanatomia funcional”, referência na área. Em 1963, ainda na UFMG, obteve o título de doutor em Medicina e foi professor titular do departamento de Morfologia. Em 1987, após se aposentar como professor titular, tornou-se  professor adjunto de Entomologia. Hoje sua coleção, com mais de 35 mil libélulas, é uma das mais importantes da América do Sul. Ao todo, escreveu 35 livros infantis e três para adultos. Como ambientalista, foi um dos fundadores do Centro Para a Conservação da Natureza em Minas Gerais. Essa foi uma das primeiras ONGs ambientalistas do Brasil e da América Latina, fundamental para a preservação de importantes áreas verdes de Minas Gerais, como o Parque Estadual Rio Doce, e para a criação do Parque Nacional da Serra do Cipó. Ângelo também foi dramaturgo e criou cinco peças infantis e duas para adulto. Em sua época de estudante, criou junto a Jota Dangelo o Show Medicina, espetáculo teatral escrito, dirigido e encenado pelos estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG. Até o fim de sua vida, continuou escrevendo e se dedicando a um livro com algumas de suas memórias, chamado “Viagens de um zoólogo em busca de libélulas”. Neste livro, que ainda será lançado, ele descreve sete viagens de coleta para Amazônia.

FICHA TÉCNICA:

Direção, fotografia, som, texto, e montagem: Mariana Machado

Elenco: Ângelo Machado

Distribuição: Ponta de anzol filmes

Consultora de montagem (primeiro corte): Cláudia Mesquita

Gravação de narração: João Viana (Estúdio Sonhos & Sons)

Pesquisa de trilha sonora: João Viana e Rafael Paulino

Fotografia Adicional (Cena do borboletário): Manoel Carvalho

Correção de cor: Júlia Raad

Desenho de som: Pedro Henriques

Identidade visual: Nina Vidigal

Tradução para inglês: Letícia Machado Heartel e Luís Felipe Machado Heartel

Tradução para espanhol: Mariana Machado e Pablo Amiano

Legendagem: Duda Gambogi

SERVIÇO

Estreia do filme Ângelo, de Mariana Machado, na 9ª edição da Mostra Cine Ecofalante de Cinema

Data da Mostra: 12 de agosto a 20 de setembro

Data de exibição do filme: a partir de 13 de agosto, por 24 horas

Site: https://ecofalante.org.br/

*Programação inteiramente online e gratuita

 

Redes Sociais:

Site: www.marianamachado.art

Instagram: @angelofilme, @marianamachaado

Facebook: /angelofilme

Biografia da diretora

Mariana Machado é multiartista residente em Belo Horizonte. Seus trabalhos passam pelo cinema e audiovisual, como diretora, roteirista, e montadora, pela fotografia e performance. É formada em Comunicação Social com ênfase em Cinema pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-Brasil), com parte dessa formação na Universidad Complutense de Madrid (Espanha).

De 2015 a 2017 fez parte do Grupo “Mutum: Educação, docência e cinema” (FAE/UFMGcomo pesquisadora e cine-educadora, além de atuar como roteirista e montadora do documentário “O cinema abraça as arpilleras, pelas mãos da escola” (publicado junto a um livro do grupo lançado na 12ª Mostra de Cinema de Ouro Preto). Foi membro do Júri Jovem do 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Ao longo dos anos, participou de algumas residências artísticas, por exemplo, em Buitenkunst, na Holanda. Em 2018, integrou o grupo de iniciação científica: “Imagens dos corpos na cidade” (FAE/UFMG) como vídeo artista e performer. No mesmo ano, foi convidada pela Galeria Godarc a expor seu trabalho “Mapas de Ausência”, composto por videoarte e fotografias sobre intervenções plásticas. Hoje faz parte do coletivo de artistas ativistas Cine Fronteira, e é uma das integrantes do coletivo Plataforma Doras ao lado de outras mulheres artistas. Neste coletivo faz parte do elenco da cena BRASA (uma das vencedoras do 19º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto). Em 2020, foi selecionada para participar da Incubadora “American Arts Incubator” no Brasil, organizada pelo JA.CA – Centro de Arte e Tecnologia, em colaboração com a filial da Embaixada dos EUA em Belo Horizonte e pelo CCBB (BH).