Há doze dias, a Academia Mineira de Letras se despediu, com saudade, de Afonso Arinos de Melo Franco Filho, o quinto sucessor da cadeira de número 29, fundada por Lindolpho Gomes, tendo como patrono Aureliano Pimentel. A Lindolpho se seguiram Milton Campos, Pedro Aleixo, Gustavo Capanema e Murilo Badaró, que presidiu a instituição logo após a morte de Vivaldi Moreira. Quando as condições sanitárias permitirem, faremos a tradicional ‘sessão da saudade’ para reverenciar a sua memória e o seu legado.

Diplomata, Arinos Filho foi Cônsul em Genebra e Embaixador na Bolívia, na Venezuela, no Vaticano e na Holanda. Parlamentar, exerceu mandatos na Assembleia Legislativa da Guanabara e na Câmara dos Deputados, em Brasília. Comunicador social, foi comentarista de Política Internacional na Rede Manchete de Televisão, entre 1994 e 1999. Seu pai, o Senador Afonso Arinos, também integrou a Casa de Alphonsus de Guimaraens, tendo sido o quarto sucessor da cadeira de número 34, antes ocupada por Juscelino Kubitscheck. A família igualmente presenteou o país com os talentos de seu tio-avô, o escritor Afonso Arinos (um dos principais expoentes da Literatura Brasileira, autor do clássico livro de contos “Pelo sertão”, publicado  em 1898), de seu avô Afrânio e de seu tio Virgílio, entre outros, permanecendo, ao longo do tempo, notável pela inteligência, pela  cultura e pelo espírito público, características tão necessárias e tão raras nos dias de hoje.

É de Afonso Arinos pai “A Alma do Tempo”, editado pela Top Books em 2018. O volume reúne os seus cinco livros de memórias: “A alma do tempo”, “A escalada”, “Planalto”, “Alto-mar Maralto” e “Diário de Bolso”. Dele extraio o trecho abaixo, em que se lembra, no estilo elegante de sempre, dos terríveis dias vividos em 1918, no auge da gripe que se abateu sobre o mundo e sobre o Brasil, levando consigo até o presidente da República, Rodrigues Alves que, reeleito para o segundo mandato, não conseguiria tomar posse:

“A grande provação da primeira fase da minha vida verificou-se, também, durante o curso do Pedro II, com a perda sucessiva, a um mês de intervalo, do meu irmão Cesário e de minha mãe. (…) A sucessão angustiosa dos dias e noites durante outubro e novembro, na nossa casa de Copacabana, que se oferecia escancarada ao tufão da desgraça, ainda hoje surge, na minha lembrança, como um redemoinho confuso e dolorido. (…) Com toda a família doente, um irmão e minha mãe morrendo, eu assistia, angustiado e inerme, à grande casa desarvorada rolar à matroca, na tormenta. (…) Meu pai, único que não caiu de cama, pressentia, impotente, aproximar-se o fim do filho que mais queria e o da companheira de 25 anos. (…) De colégio, nem se falava. Nenhum de nós saía à rua, porque não se tinha aonde ir. Era um ambiente estranho, movimentado e absurdo. Um pesadelo. Certa noite eu estava dormindo, vestido, no quarto de Rosa, junto à cozinha. Súbito acordei apavorado, sem saber por quê. Levantei-me de um salto e corri para a sala da frente. Minha mãe morria naquele momento.”

Tomado pelas recordações de Afonso, me pergunto, apreensivo: que memórias teremos que redigir, sobre 2020?