Disse Joana D’Arc que quando acabasse a luta de expulsão dos ingleses da França ela voltaria a se vestir de mulher. Não teve tempo. Disse, perante o tribunal da Igreja, que Deus ordenara que ela se vestisse assim, como um soldado.

Estaria Diadorim pensando em revelar-se mulher a Riobaldo depois da luta contra Hermógenes? Também não teve tempo. Diadorim, personagem imortalizada em Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, foi criada como menino, pois o pai não teve filho que o sucedesse. Ela, que se chamava Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins – sobrenome francês como Joana –, seguia a ordem do pai. E Deodorina/Diadorim foi também o jagunço Reinaldo. Rei da beleza, da força e da  coragem. Reinou no coração de Riobaldo.

Joana, a francesa, e Deodorina, a mineira, se vestiram como os homens para andar entre eles, como seus pares. No entanto, a identidade de Joana era conhecida, e era chamada de “a Donzela de Orléans”, enquanto a identidade de Diadorim era desconhecida de todos. Ambas cortaram os cabelos para melhor caracterizar a aparência masculina.

Joana foi condenada a comer o pão da dor e a beber a água da angústia. Tinha visões do arcanjo Miguel, de Santa Margarida e de Santa Catarina. Como Joana, Diadorim era virgem e lutou destemidamente ao lado dos homens na batalha que a levaria à morte. Joana ardeu no fogo da crueldade da própria Igreja naqueles idos de 1431, aos dezenove anos de idade. Lutou com fervor religioso e patriótico para expulsar os ingleses, naquela que ficou conhecida como a Guerra dos Cem Anos. Fé cega, espada afiada. Diadorim lutou com coragem, raiva e desejo de  vingar o pai, Joca Ramiro, pois havia jurado vingança a Hermógenes, o assassino. Faca amolada.

Joana, a Donzela de Orléans, e Diadorim, a Donzela dos Gerais, usavam roupas masculinas para preservar a castidade e evitar serem molestadas pelos homens, guerreiros ou jagunços. As roupas masculinas de Joana incomodavam os clérigos e acirraram debates teológicos. Usava calça, elmo e armadura no peito. Diadorim, calça, chapéu e gibão de couro. Ambas morreram no meio da rua: Joana, queimada viva na Praça do Mercado, em Rouen; Diadorim, no meio da rua no arraial do Paredão, em Minas. Joana, na Idade Média francesa; Diadorim, pelos idos de 1800, no sertão profundo dos Gerais de leis medievais: olho por olho, dente por dente. Sertão com suas próprias leis e códigos de honra. Joana só tinha amor a Deus e à França; Diadorim, que negou o seu amor a Riobaldo, traindo a si mesma,  era antes de tudo uma guerreira, como Joana. Ambas de olhos verdes: cor da esperança, os de Joana; os  de Diadorim, “buritizais levados de verde”…

A Donzela de Orléans, pura, inocente, mas bélica; a Donzela dos Gerais, bela e bélica, anjo vingador. Joana, santa guerreira, foi queimada viva, como herege, “abandonada por seu  rei e pelo seu povo, salvos por ela”, como disse Michelet. E, queimado, o seu corpo desapareceu nas chamas que subiram ao céu; mas seu verdadeiro túmulo está hoje no coração dos franceses, da pátria que ela ajudou a construir, pátria  “que nasceu do coração de uma mulher”, acrescentou Michelet. Diadorim, revelada Deodorina, donzela de grande beleza e perfeição, foi enterrada, a pedido de Riobaldo, numa vereda onde ninguém pudesse saber ou achar, guardada para sempre no seu coração, seu segredo, e guardada também no coração dos leitores do Rosa, brasileiros e estrangeiros.

Joana não sabia ler nem escrever a língua dos homens, mas sabia ler  as palavras de Deus. Ouvia Sua voz. Diadorim sabia ler? Leu o amor de Ribaldo?

A camponesa Joana, histórica, tornou-se Santa Joana D’Arc, em 1920. A sertaneja Diadorim, criação rosiana, de 1956, encarnou o mito de Joana, a francesa, e tornou-se personagem universal da literatura. Duas heroínas, dois destinos, dois perfumes de mulher.