Olhem bem as montanhas. A palavra de ordem que se fez ecoar, no decorrer dos anos 70 e 80, anunciava a desaparição iminente das montanhas mineiras. Os artistas da imagem foram os primeiros a seguir o alerta que surgia no para-brisa dos carros. Assim como Cézanne mirou obsessivamente a Sainte-Victoire, no Sul da França, pintores, desenhistas, gravadores e fotógrafos voltaram-se para a montanha de Minas Gerais e a contemplaram como a um ícone ameaçado.

Carlos Drummond de Andrade já chorara diante da pulverização do Pico do Cauê, a itabira do mato dentro transformada em dolorosa fotografia na parede: …” foge minha serra, vai/ deixando no meu corpo e na paisagem/ mísero pó de ferro, e este não passa”. A exemplo do profeta Jeremias, o poeta subiu a Serra do Curral e, em lágrimas, mais uma vez lamentou o extermínio da montanha e o sequestro do próprio nome da cidade. Em agosto de 1976, escreveu “Triste Horizonte” para abrir os olhos que ainda se fechavam à mutilação da paisagem e à destruição do território. Os trágicos desastres de Bento Rodrigues, em 2015, e Brumadinho, em 2019, trouxeram para o século 21 aquele apelo do final do século 20.

A montanha agredida instala-se agora na fotografia de José Luiz Pederneiras. O fotógrafo recorta poeticamente a paisagem, no estranhamento dos maciços em convulsão dramática. Ele vê a montanha envolta em ataduras como um corpo dilacerado, e procura ver, também, o que está por trás dela. Cerceado pelas barreiras orográficas, o montanhês sempre quer alcançar o que se acha atrás da montanha.

Ultrapassa-la e enxergar o que está do outro lado é vencer o confinamento a que se condena. Enfrentar a muralha, superar o obstáculo, ver além é o sonho. Do outro lado, o fotógrafo descobre o mar. Havia um pressentimento. A corografia mineira retorna ao planeta primordial e se entrega ao mar. Nos “mares de morro”, assim classificados pelo geógrafo Aziz Ab’Saber, o oceano parece encobrir a montanha e incorpora-la ao seu reino azulado e onduloso. Nas fotografias expostas, montanha e mar se revelam e se completam. O vaivém do mar e o sobe-desce morro conferem seu
ritmo à exposição das fotos para direcionar o ir e vir do vidente e do visível. O conceito de quiasma de Merleau-Ponty transparece nesse entrelaçamento de diferenças. José Luiz Pederneiras abre o dromos com as imagens de morros e montes e, no percurso da volta, oferece as visões do mar. “Uma teoria mágica da visão”, dominada pelo fotógrafo, trabalha luz, cor, sombras, reflexos, e é como se montanha e mar desabassem sobre nós, enchendo de espanto nossos olhos mergulhados no “resplendor do visível”.

Exposição até 5 de abril de 2020, na Casa dos Contos, em Ouro Preto, na sequência de mostra na galeria do Minas Tênis Clube, em Belo Horizonte.